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Archive for September, 2008

a-liberdade

Em um post anterior, iniciou-se uma discussão sobre liberdade.

Eu honestamente acredito que liberdade não existe. Liberdade é uma palavra utilizada para descrever relações impossíveis. Sendo simplista, com um exemplo radical, não podemos escolher não dormir. Dormiremos, hora ou outra.

O conceito de liberdade não cabe em um mundo científico. Seria incompatível dizermos que podemos prever fenômenos físicos, mas não psicológicos; que fenômenos físicos são determinados, mas não os psicológicos. Seria incompatível especialmente no mundo de hoje, em que se demonstra com crescente grau de certeza o quanto nosso comportamento depende da estrutura cerebral (pura biologia ou, em outras palavras, pura química ou, em outras palavras, pura física).

Conhecendo as variáveis, conhecemos o que vai ocorrer. Um lançamento de dados pode ser previsto. O comportamento humano também. É obviamente mais fácil prever o lançamento dos dados do que o comportamento humano. Isso ocorre porque as variáveis que afetam os dados são consideravelmente mais simples do que afetam o comportamento.

Liberdade, em um sentido possível, é a ignorância que temos em relação ao que determinou o comportamento atual e em relação ao que vai acontecer com o comportamento. Podemos formular hipóteses, mas ainda é impossível (e não acredito que um dia será possível) identificar todos os fenômenos relacionados a um comportamento, por mais simples que este seja.

Para existir uma ciência psicológica, tem-se que aceitar que os comportamentos são determinados. Caso contrário, não se tem ciência: apenas opiniões. Por mais interessantes que opiniões possam ser, não penso que são adequadas em um contexto profissional.

Claro que a idéia de liberdade como ignorância (ou como percepção) não deve agradar muito. Claro que a idéia de que não existe liberdade produz alguns problemas. No papel, todos os criminosos seriam inocentes, os sistemas de regulação do comportamento seriam inválidos, etc. Por outro lado, criminosos jamais serão libertados e leis não deixarão de existir. O caso é simples: o ser humano se defende. Criar leis, afastar criminosos está determinado. É possível questionar; no entanto, no máximo, uma lei será trocada por outra.

Não podemos ignorar os fatos científicos. Temos que trabalhar a partir deles.

Categories: Ciência, Filosofia, Psicologia

psicologia em cidade pequena

September 19, 2008 1 comment

A cidade em que estou morando (São José dos Quatro Marcos) tem pouco mais de 20mil habitantes. São poucos: não chegam a um bairro da minha cidade natal São Paulo. Muita gente se conhece diretamente ou, no mínimo, por ligação com um amigo comum. A rede é pequena, mas tem muitos fios. O resultado final é que todo mundo sabe da vida um do outro.

Estou convivendo com a psicologia clínica daqui e por conta disso pude identificar alguns fenômenos interessantes que ocorrem com esta profissão. Imagino que essas observações se apliquem à maioria das cidades pequenas:

1. Muitas pessoas não procuram terapia por conhecerem o terapeuta. O medo disso é grande.

2. Outras muitas pessoas têm medo de que um vizinho ou conhecido a vejam no terapeuta. Isso demonstra um grande preconceito com a Psicologia.

3. A maioria dos clientes da clínica-escola da Faculdade de Quatro Marcos é de uma cidade vizinha: Mirassol D’Oeste. Aqui, eles permanecem anônimos. O pessoal de Quatro Marcos prefere evitar. Há exceções, claro.

4. O maior problema: alguns terapeutas têm medo de fazer intervenções com os pais de crianças com dificuldades. Têm medo de que esses pais, especialmente os que têm influência na cidade, prejudiquem sua imagem e enterrem seu futuro profissional.

5. O boca a boca chega à clínica. Um terapeuta já ouviu falar do cliente do outro, e vice-versa. Fico imaginando se certas “informações privilegiadas” inadequadas não passeiam por aí…

Seria muito bacana uma pesquisa abrangente sobre essas características: tanto das percepções dos terapeutas quanto dos clientes. Poderia mostrar qual a melhor forma de divulgar o trabalho do psicólogo em cidades pequenas.

Enquanto isso, vou supervisionando meus alunos. É possível que semana que vem, ou na outra, eu mesmo comece a atender.

Categories: Psicologia